Em 21 de julho de 1946, o ilustre santista teve sua estátua inaugurada no jardim da praia do Boqueirão, de frente para a avenida que também leva o seu nome. A cerimônia foi presidida pelo embaixador José Carlos de Macedo Soares. A estátua foi encomendada pela Prefeitura ao escultor Caetano Fracarolli e gerou uma polêmica muito grande em virtude de o poeta que tem no mar a sua grande paixão estar de costas para a praia.
Antes de morrer, em 22 de abril de 1924, Vicente de Carvalho tomou todas as providências finais, não esquecendo sequer de deixar dinheiro para as primeiras despesas. No seu túmulo foram gravados estes versos de sua autoria:
“O derradeiro sono eu quero assim dormi-lo:
Num largo descampado
Tendo em cima o esplendor do vasto céu tranquilo
E a primavera ao lado.”
BIOGRAFIA
Vicente Augusto de Carvalho nasceu em 5 de abril de 1866, no berço de uma tradicional família santista. Pelo lado paterno vinha uma linhagem militar, com seu avô capitão de milícias e seu pai o Major Higino José Botelho de Carvalho, dono de modesta loja de ferragens. Sua mãe, sra. Augusta Carolina Bueno de Carvalho, descendia em linha reta de Amador Bueno, sendo seu bisavô materno capitão-mor.
Para enfrentar a crise econômica difícil, a família viu-se obrigada a mudar-se para a zona dos quartéis (hoje Rua Xavier da Silveira). Há que se destacar que a família Carvalho residia no cobiçado bairro dos Quatro Cantos – o espaço geográfico e o tempo histórico peculiares à época do seu nascimento, infância e adolescência, tiveram influência decisiva na sua formação.
Iniciou seus estudos com professor particular em 1873 na cidade de Santos, em 1879 ingressou no Seminário Episcopal de São Paulo, como interno, estudou ainda nos colégios Mamede e Norton em 1881 e a partir de 1882 cursou direito, matriculado com ordem especial da Assembleia Geral do Império, por ter 16 anos incompletos, sendo Bacharelado em 1886. Trabalhou como redator e colaborador dos jornais O Patriota, A Idéia Nova, Piratini, O Correio da Manhã e A Tribuna; colaborou no O Estado de São Paulo sob o pseudônimo João d’Amaia.
Considerado o maior poeta lírico do Brasil, era ainda juiz de direito e jornalista. Revelou bem cedo sua marcante inclinação literária, no entanto, sem deixar de exercer muitas outras atividades, como escrever para teatro, fazer textos sobre a economia cafeeira. Foi redator do Diário de Santos e fundador do Diário da Manhã. Foi candidato a deputado provincial no Congresso Republicano no ano de 1887, deputado no Congresso Constituinte do Estado. Já na relatoria da constituinte, renunciou ao mandato em protesto pelo fechamento do Congresso Nacional, ditado pelo então presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca. Mudou-se para Franca, município do interior paulista, e tornou-se fazendeiro. Em 1901, regressou a Santos, dedicando-se à advocacia. Em 1907, retornou a São Paulo, onde foi nomeado juiz de direito.
Foi, ainda, secretário de Interior do Governo do Estado. Entre os anos de 1908 e 1914, época em que exercia a advocacia, queria desenvolver o transporte hidroviário no Vale do Ribeira, então ajudou a fundar a Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista, da qual foi sócio. Ainda em 1914, passou a ministro do Tribunal da Justiça do Estado.
PALAVRAS AO MAR
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas – a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.
Quando eu nasci, raiava
O claro mês das garças forasteiras:
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilação das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro;
E as leves garças, como olhas soltas
Num leve sopro de aura dispersadas,
Vinham do azul do céu turbilhonando
Pousar o vôo à tona das espumas…
É o tempo em que adormeces
Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Não os saco de mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, tímido e plangente,
O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
Langue, numa carícia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes…
Ah! vem daí por certo
A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de tu unicamente, aquela
Canção de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouvia,
Pela manhã de sol dos meus vinte anos.
O velho condenado,ao cárcere
das rochas que te cingem!
Em vão levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrelas quando é noite,
Paira, longínquo e indiferente, acima
Da tua solidão, dos teus clamores…
Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sobre a qual o céu resplende
– Longínquo céu – de um esplendor distante.
Debalde, o mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coração revolto
Levanta para o céu como borrifos,
Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.
Sei que a ventura existe,
Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa.
Como dentro da noite amortalhado
Vês longe o claro bando das estrelas;
Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes…
O mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam!
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias!
Tigre de que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noites sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas…
Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino… Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!
Ah! cavassem-te embora
O túmulo em que vives – entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem…
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!
Fosse tu como um lago,
Como um lago perdido entre as montanhas:
Por só paisagem – áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte…
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante – perto
Do teu desejo e além do teu alcance!
Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
– Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada…
Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma…
Eu adivinho mais: eu sinto… ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.
Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!… A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
De tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!
Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida…
Que importa? Vibre no ar, acode os ecos
E embale-nos a nós que o murmuramos…
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!
Achei sensacional !! Desde que vi aqui em Santos a estatua do POETA DO MAR fiquei fascinado por sua ilustre figura e minha familia tb!! Sua biografia demonstra o poeta e o bradileiro que ele foi.digno de admiracao !!!
Sempre citamos o poeta do mar em nosso instagran. Importante valorizar os artistas de nossa cidade.